31 de julho de 2010

postheadericon Saltos

São tantas coisas que eu já saltei... Sorrisos, perguntas, cumprimentos, explicações, olhares, janelas... Fui deixando tudo pra trás, torcendo para a paisagem me encobrir, e eu não ser notada em minhas fugas covardes. 
Há momentos em que a vida é perturbada, e minha mente trabalha sob saturação constante. A ansiedade, o stress, e a agonia contornam cada pensamento, querendo liquidá-lo logo, espremê-lo de qualquer forma. O perfeccionismo que me atormenta cotidianamente desaparece, e quero mais é que tudo saia, torto, errado, expulso, da maneira que for. 
Espero que os outros não se machuquem, eu fico sem tato. Espero que me compreendam, não quero explicar. Já é difícil demais viver com essa coisa, explicá-la, então... Não! E nada mais entra. Nada mais entra. Nada mais entra.


11 de junho de 2010

postheadericon Reencontro I

A esperança¹ é uma das maiores desgraças da vida, e anda de mãos dadas com a imaginação. Ambas são faculdades humanas que eu pretendo perder um dia. Esperando, não só imagino realizações e invento um futuro que não se sucederá fora do mundo das idéias, também alimento ilusões e me deixo ser encantada por sonhos que me tiram a vida aos poucos, por não serem reais.
Para mim a idéia de que sonhos, esperanças, planos, e projetos são naturais, saudáveis, necessários, e até - pasmem - bons, não basta de um senso comum, ou seja, é mais uma entre as idéias que a nossa raça aprendeu como verdadeira através do método de ensino mais popular do mundo: a repetição constante até a exaustão, ou alienação. As pessoas não mais raciocinam sobre a hipótese, apenas acreditam nela e às vezes até a defendem, sem saber ao certo o porquê.


¹esperança 
(esperar + -ança)
s. f.
1. Disposição do espírito que induz a esperar que uma coisa se há-de! realizar ou suceder.
2. Expectativa.
3. Coisa que se espera.





Modica, Sicilia, Italia.



2 de abril de 2010

postheadericon Saudades e Sussuros

A saudade é clara, como um céu de ficar olhando a tarde toda, resgatando momentos. Em uma tentativa de prolongar laços solúveis em tempo, eu reduzia o espaço em fios de vida falsa, como se um telefonema ou uma mensagem pudessem devolver o prazer de um olhar que me arranca até o orgulho.
São as pessoas-provas da união e do amor que me arrancam o que nem eu tiro de mim.
A saudade não morre em cartas ou vozes, e às vezes nem o encontro é fatal. A saudade espera a entrega de si e a absorção do outro.
Sussuro minha saudade quando estou sozinha, para ninguém mais ouví-la. Me pergunto se devo declará-la, com medo de que um ego-imposto tome a clareza da minha saudade, ou de que talvez nesse país haja um produto similar e mais em conta.
Hoje, reduzi o espaço nos céus, enquanto vivia um pouco do meu passado. Lembrei de seus sorrisos sinceros, e vi que mesmo se o ego cobrar imposto e você achar outro produto, ainda sobra um pouco de sorriso e olhar para mim.
Te trouxe aqui, para poder perder o orgulho e escolher correr o risco de te sussurar minha saudade, que continua viva, clara, e forte.



postheadericon Aquela Conversa

Era outono em Roma. Eu saía sozinha de um jazz bar logo após o fim do show e perambulava ao léu pela cidade que sempre me aguça as emoções, sem querer voltar para o hotel na véspera da minha despedida, já com os olhos úmidos. Peguei o metrô, desci no coliseu e lá me sentei para observar os jovens romanos fazendo a algazarra de sempre naquela viela toda colorida, enquanto uns poucos turistas tiravam fotos do monumento.
Enquanto a meia-noite me chegava implacável, fui até a viela e entrei em um bar, pedindo uma cerveja. Todas as mesas estavam ocupadas, e na mais próxima de mim sentava sozinho um rapaz que parecia ter uns 27 anos. Era moreno, o cabelo encaracolado e curto, bem preto, a testa larga, o nariz afinado, a boca fina e vermelha, as sombrancelhas grossas. Era bonito, e tinha feições atípicas para ser italiano, me pareceu ser egípcio. Uni a curiosidade ao cansaço das pernas e me aproximei, perguntando se poderia me sentar. Ele não entendeu, repeti com um pouco mais de calma, e ele me sorriu e disse que sim. Quando perguntei, me disse que era do Cairo e eu contive a vontade de gritar "eu sabia!" para não o assustar. Logo percebi que seu italiano não era muito bom, ele pecava ao conjugar os verbos e se enrolava perdendo as palavras, mas com carinho e vontade conseguíamos nos entender.
Após nos apresentarmos e dividirmos idades, profissões, origens, e outras coisas comuns, não contive minha curiosidade e passei a lhe perguntar tudo que me vinha à mente sobre o Cairo. Eis que tivemos uma conversa da qual nunca me esquecerei e que me volta à memória com frequência trazendo novas percepções e reflexões, como voltou esses dias em um papo com uma amiga que também se emocionou ao ouví-la, o que me fez vir aqui hoje escrever.
Ele me contou que estava em Roma a dois anos e meio, veio para trabalhar como cozinheiro em um restaurante árabe de um conhecido da família. Morava a menos de cinco minutos a pé do restaurante, e passou quase o primeiro ano inteiro se limitando a ir de casa ao restaurante ou ao mercado, e conversava somente com seus companheiros de trabalho, sempre em árabe e durante a jornada. Esporadicamente caminhava um pouco pelo seu bairro para espairecer, introspecto e tímido por não falar a língua e não saber nada sobre aquele povo nem sobre como se portar naquele mundo tão velho e, para ele, tão novo. Aos poucos, a curiosidade e o tédio foram vencendo a timidez, e ele começou a aproveitar os dias de folga para andar mais longe. E a bela Roma que impressiona e surpreende tantos com suas ruas estreitas e tumultuadas, sua arquitetura avassaladora, seus monumentos gigantescos, seus restos de uma civilização de milhares de anos vizinhando nossos metrôs, nem fez cócegas ao meu amigo egípcio. Essa Roma não o incomodou, o que até compreendo, afinal antes de saber falar ele já fazia castelos de areia à beira das pirâmides. A Roma que o fez pulsar é acolhedora, tocante, quente, e colorida.
Em um de seus passeios, anoitecia. E ele resolveu encarar aquele estádio gigante mais de perto e cincundá-lo, assim como eu tinha feito logo antes de conhecê-lo. Ele olhou para aquela viela colorida, viu aqueles jovens romanos fazendo a algazarra de sempre, aqueles bares todos que tinham uma bandeira bonita como enfeite, cheia de cores, parecendo um arco-íris. Se perguntando o significado dela, foi se aproximando sem perceber, sugado pela alegria que as vozes altas e um tanto cantadas propagavam. Quando atravessava as pessoas, estancou. Pensou se a mente estava se pregando uma peça, e olhou para o lado esquerdo. Abriu e fechou os olhos diversas vezes, com força, e olhou para o lado direito. Enquanto girava o corpo para olhar para trás, devagar, o sorriso foi se abrindo. Maravilhado, ele caminhava olhando para todas aquelas pessoas, que pareciam confortáveis e indirefentes àquela situação. Quando finalmente chegou até o fim da ruazinha, ele se deu conta de que em algum lugar do mundo, pelo menos, ele poderia não só abraçar um homem em público, mas também beijá-lo, como viu dois jovens fazendo há pouco. Sim, beijá-lo! E beijá-lo na boca, por minutos!
Ele me contava, reclinado na cadeira, quase sem me olhar. Me senti uma intrusa, por entrar na sua memória enquanto ele revivia esse momento tão forte, com lágrimas nos olhos. Ele me olhou, com vergonha por ter se deixado levar por sua emoção, por ter escapado daquela mesa e ter ido até alí, no lado de fora, um ano antes. Eu lhe dei um sorriso de alegria, e segurei seu braço enquanto meus olhos também aguavam. Ele se sentiu aliviado, e me contou que isso - abriu os braços, me mostrando o bar - era um sonho para ele. Ele sonhava poder demostrar seus desejos em público, sem correr o risco de ser preso ou morto um dia. Ele não sabia que fora de sua terra isso já acontecia, pensava que o mundo inteiro veria ele como um monstro, uma aberração.
Pedimos outras cervejas, para acalmar o momento emotivo que tivemos. Para o meu deleite, ele continuava a me contar sobre sua cultura, e disse que lá, as pessoas não se tocam, não demonstram carinho uma pelas outras, nem mesmo dentro de uma família. Ele não se lembra de ter abraçado ou beijado a mãe no rosto um dia. A namorada, que ele arrumou após muita pressão da família, era como uma amiga. Ele ainda tinha que beijá-la, para a menina não estranhar e acabar tendo alguma desconfiança, mas ele dizia ter medo de ir além, e como o sexo antes do casamento não é bem visto, ele ia enrolando a família com aquele namoro bobo. Perguntei como ele descobriu que era gay, e como ele ficava com homens por lá, já que não existiam os guetos. Ele explicou que é tudo pelo olhar, e que se sentia atraído, se questionava, até que um dia, ao trocar olhares curiosos com um homem mais velho, este o levou para sua casa e transaram. Depois de compreender, arrumou mais alguns namorados, todos assim, trocando olhares pelas ruas. Um dia, um desses namorados o levou para o que existe de mais próximo ao "bar gay", uma casa aparentemente abandonada, escondida nos subúrbios de Cairo. Lá dentro, tudo era escuro, e homens se reuniam em um cômodo interno, conversavam e bebiam, falando baixo para não despertar suspeitas de alguém que porventura passasse do lado de fora.
Seu telefone tocou, e ele atendeu falando um árabe bem rasgado e rápido. Eu me divertia com os sons estranhos, e ele me sorria, dizendo com o olhar que a noite seria boa. Desligou, falou que um amigo ia encontrá-lo em uma balada onde um italiano que tem paquerado também estaria, e me convidou para ir com ele. Saímos abraçados pelas ruas, eu feliz porque ele me protegia do frio, ele feliz por poder abraçar uma amiga com frio, ambos silenciosos, livres, e cheios de energia para trocar com a noite romana.





Mais um vez, deixo uma foto minha.

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